Táticas de autoproteção ou trapaças na ordem normativa

narrativas de mulheres trans sobre a educação básica e suas famílias.

Autores

DOI:

https://doi.org/10.53282/sulsul.v2i03.912

Palavras-chave:

Mulheres trans, fazeres ordinários, educação básica, relação com a família

Resumo

Neste artigo, partimos de entrevistas com cinco mulheres trans que chegaram a diferentes estágios do ensino superior, interrogando-nos como enfrentaram os anos de educação básica, estágio imprescindível para que chegassem à Universidade, em uma sociedade na qual ainda são poucas as pessoas trans que conseguem se escolarizar e mesmo sobreviver.  A partir dos aportes de Michel de Certeau (1994) de pensar os fazeres ordinários como agenciamentos inventivos, acionamos as trapaças à ordem normativa e a camuflagem como táticas criativas que as permitiu se moverem no ambiente da escola. A família apareceu nos relatos colhidos como lócus de acolhida e espaço de reelaboração de si, a partir do apoio dado aos processos de transição de gênero, além de suporte material e simbólico para a permanência das entrevistadas na escola.

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Biografia do Autor

Marlyson Pereira, Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista, Unesp - Marília (2020). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras (2014). Graduação em Filosofia pela Universidade Federal de São João Del-Rei (2008) e em Ciências Sociais pela Universidade Metropolitana de Santos (2018). Professor na educação básica nas disciplinas de filosofia e sociologia.

Larissa Pelúcio, Universidade Estadual Paulista - UNESP/Bauru

Livre-Docente em Estudos de Gênero, Sexualidade e Teorias Feministas. Atua como professora de Antropologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (campus Bauru Departamento de Ciências Humanas FAAC), integra o quadro de docentes do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, na mesma instituição. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP). “Mulheres trans universitárias: A emergência de Políticas Públicas para a inserção e permanência de travestis e transexuais no universo acadêmico”. 5 de junho de 2018b, 1h:05. WhatsApp.

______. “Mulheres trans universitárias: A emergência de Políticas Públicas para a inserção e permanência de travestis e transexuais no universo acadêmico”. 8 de janeiro de 2018c, 1h:20. WhatsApp

______. “Mulheres trans universitárias: A emergência de Políticas Públicas para a inserção e permanência de travestis e transexuais no universo acadêmico”. 7 de setembro de 2018d, 55min. WhatsApp

_______. “Mulheres trans universitárias: A emergência de Políticas Públicas para a inserção e permanência de travestis e transexuais no universo acadêmico”. 5 de outubro de 2018a, 50min. WhatsApp

______. “Mulheres trans universitárias: A emergência de Políticas Públicas para a inserção e permanência de travestis e transexuais no universo acadêmico”. 10 de outubro de 2018e, 1h:15. WhatsApp

______. “Quando eu me mudei para uma cidade chamada Ourilândia do Norte, no Pará, eu estava na oitava série. Essa cidade era uma cidade pequena, a Vale tinha acabado de se instalar lá, tinha uns quatro mil habitantes, então todo mundo que chegava lá era novo. E talvez porque todo mundo era novo, não ter aquelas panelinhas e tal. Na escola onde eu estudei era muito fácil todo mundo ser amigo de todo mundo porque estávamos todos passando pela mesma situação: filhos de mineradores que não tinham essa abertura porque mudavam muito e do nada chegavam a uma cidade, onde construíram uma escola para a gente estudar e estava quase todo mundo no mesmo barco, por assim dizer. Então ali foi muito fácil de me expor e criar laços”. 5 de janeiro de 2018b, 20h:48. WhatsApp

______. “Eu passei por essa parte da minha vida em 2010, sobre descobrir o que era transexualidade lá, onde eu tinha uma vertente social maior.[...] A primeira vez que eu me apaixonei foi dentro dessa etapa escolar, meus amigos mais próximos... porque antes eu não tinha... não podia dizer que eu tinha um amigo que eu era apegada a uma pessoa”. 5 de junho de 2018b, 20h:36. WhatsApp

______. “Melhora um pouquinho no ensino médio, porque aí já era uma época que eu era assumida enquanto gay, e aí tem os meus amigos próximos, eu tinha o apoio deles. Então com aquelas pessoas eu podia conversar sobre. Já existia uma flexibilização dentro desse ambiente”. 10 de outubro de 2018e, 10h:44. WhatsApp

______. “O meu segundo para o terceiro ano foi a experiência mais, eu digo assim, privadas de conceitos, transfobia, então nesses dois últimos anos eu vivenciei muito isso. Porque foi assim, eu já estava uma pessoa mais aberta, uma pessoa mais madura também, uma pessoa mais disposta a dar a cara a tapa, não me importava com que as pessoas viam, até porque eu vinha de um lugar onde eu tinha sido muito bem acolhida, então eu cheguei aqui foi para dar a cara a tapa mesmo, então eu fui enfrentando muita coisa. Foi um tempo que eu trabalhei em um jornal, eu estava iniciando o terceiro ano, então me tornei uma pessoa muito visada e não estava mais naquela fase de quero me esconder, eu estava na fase de foda-se, essa sou eu. Eu tive muita sorte porque eu passei por uma fase que me moldou e me fortaleceu e que foi base para mim enfrentar esses dois anos, base para mim correr atrás dos meus sonhos e base para saber que existem pessoas que vão me aceitar do jeito que eu sou, independente de gênero, independente de sexualidade”. 5 de junho de 2018b, 20h:47. WhatsApp

______. “Eu diria isso foi muito importante para que eu continuasse na minha carreira acadêmica. Teve um período que passei entre o mestrado e o doutorado, eu passei cinco meses sem bolsa. E morando fora de casa, em São Paulo, durante esse período eu procurei emprego e tudo o mais. Eu passei cinco meses procurando emprego, em um primeiro momento empregos no minha área, então, em farmácia, indústria etc. E mais para frente, qualquer coisa e eu não consegui nada em cinco meses. E nessa fase, meus pais, especialmente minha mãe, me sustentaram fora de casa. Coisa que, se eu não tivesse tido esse apoio, eu não saberia como eu teria me virado. Você está fazendo pós-graduação você sabe que uma bolsa de mestrado, ainda mais vivendo em São Paulo, não dá pra você guardar dinheiro, para fazer uma reserva para esse tipo de situação. Então como me manter sem essa ajuda da minha mãe? Então, esse apoio dos meus pais foi algo essencial para que eu conseguisse continuar nessa carreira”. 5 de outubro de 2018a, 16h:43min. WhatsApp

________. “Minha mãe quando eu falei pra ela, mãe eu preciso de você. Foi quando eu falei pra ela e ‘botei’ ela na parede, eu preciso da senhora, eu preciso que a senhora me ajude, que você pague minha cirurgia. Minha mãe foi fazer a cirurgia comigo, me acompanhou em tudo. Foi pra São Paulo comigo”. 8 de janeiro de 2018c, 14h:29. WhatsApp

________. “Foi muito surpreendentemente positivo, eu acho que de certa forma eles já estavam, vou usar essa expressão, calejados, porque eu já tinha me assumido gay com 16 anos. Aí eu acho que durante esses anos eles foram acostumando com a ideia de eu não ser normativa e aí meio que a transexualidade foi a cereja do bolo, então eles entendem meio que assim, no mesmo balaio essas coisas. Então foi muito tranquilo. No início teve uma questão de estranhamento... ‘ai, não sabemos como vamos lidar com isso, mas sim, a gente te respeita, vamos te apoiar, a gente te ama’. Então assim, deu quinze dias eles já estavam se esforçando para me chamar de filha, de usar o nome Maria Eduarda. Minha mãe ‘olha trouxe um vestido para você’. Então nossa relação super melhorou e hoje é muito, muito melhor do que era na minha adolescência, porque aí a gente rompeu com essa barreira, hoje eu tenho total apoio dos meus pais e dos meus tios também”. 10 de outubro de 2018e, 10h:44. WhatsApp

______. “Familiarmente falando eu tive vários momentos, eu tive um momento em que meus pais descobriram, inclusive é como eu falei em outro vídeo que meus pais descobriram de uma forma que eu não estava pronta para falar para eles. Muitas pessoas da minha família já sabiam, mas meus pais não. Então eles descobriram através da internet, então assim eu fui obrigada a adotar uma postura que ainda não estava preparada para assumir. Foi minha primeira grande dificuldade, porque me jogaram para fora de minha zona de conforto e foi uma coisa que eu não estava preparada para assumir. Mas de certa forma foi bom, eu passei por muita coisa. Minha mãe é muito religiosa, meu pai trabalha com mineração e é de uma família de caminhoneiros, então você já imagina que ele vem de uma família muito machista em contrapartida minha mãe vem de uma família muito religiosa. E assim, eu tive de desbravar muito coisa, foi uma construção. Pra minha mãe foi muito difícil, até hoje é muito difícil pra ela, por exemplo, me chamar pelo meu nome, Anne, ela me chama pelo nome de batismo, assim como muita gente da minha família. Pra ela foi muito difícil a primeira vez que comecei a me vestir, ela tinha muito medo, ela tem muito medo de como as pessoas vão me tratar na rua, mais medo do que eu. Da forma como as pessoas veem com preconceito, ela fica muito assustada com essas notícias que vazam de gente que mata as transexuais, que mata homossexuais, que violentam. Às vezes ela repreende muito mais as pessoas que me olham de forma esquisita na rua, do que eu, nota muito mais que eu, porque ela tem essa preocupação. Pouco depois que eu abordei sobre isso ela e meus pais se separam, e para meu pai era bem mais difícil, tanto que eu digo que estou em uma transição há basicamente oito anos e a minha relação com meu pai começou a melhorar a se estabilizar da gente conversar, dele aceitar, não digo nem aceitar, mas respeitar, de janeiro para cá (se referindo a janeiro de 2018). Então é bastante recente, eu passei por vários momentos de tribulação com meu pai. E assim o resto da família eu tive muitos primos que foi assim super fácil, muitos primos que eu me abria, muitos tios foi tranquilo, pra outros não. Pra minha avó foi muito surpreendente, ela nunca falou nada comigo, então eu nem posso dizer assim, da parte dos meus avós o que eles sentem, eles são muito reservados, ninguém nunca falou na minha cara, mas também ninguém nunca me destratou. Foi uma construção, foi degrau, por degrau, ao longo desses anos, até que um dia se tornou natural, hoje eu não tenho nenhum problema em nenhuma parte da família”. 5 de junho de 2018b, 20h:48. WhatsApp.

_______. “Ainda sobre apoio familiar, a primeira coisa que disse foi que era aceita pela família. (Aqui ela se refere que começa a entrevista dizendo que sempre foi aceita pela família). Isso é verdadeiro, além de ser verdadeiro o fato de que eu nunca cogitaria a ideia de que eu poderia ser expulsa de casa ou coisa parecida. Contudo, no começo da transição, não foi exatamente fácil a compreensão deles, porque afinal ninguém é educado sobre questões trans. Mas felizmente isso foi se acertando com o tempo”. 7 de setembro de 2018d, 21h:26. WhatsApp

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Publicado

28-02-2022

Como Citar

PEREIRA, Marlyson; PELÚCIO, Larissa. Táticas de autoproteção ou trapaças na ordem normativa: narrativas de mulheres trans sobre a educação básica e suas famílias. Sul-Sul - Revista de Ciências Humanas e Sociais, [S. l.], v. 2, n. 03, p. 91–109, 2022. DOI: 10.53282/sulsul.v2i03.912. Disponível em: https://revistas.ufob.edu.br/index.php/revistasul-sul/article/view/912. Acesso em: 22 dez. 2024.

Edição

Seção

Vol. 02 N. 03 - Nos encarnes da vida: produção, gestão e difusão de

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