CHAMADA PARA O DOSSIÊ - Vol. 02 N. 02 - Epistemologias e Ativismos Lésbicos no Sul Global
COORDENADO POR: Simone Brandão Souza, doutora pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia - UFBA - (2018), mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - ENCE/IBGE - (2005), Suane Felippe Soares, doutora e mestra pelo Programa em Associação Ampla de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva PPGBIOS -UFRJ/UFF/UERJ/FIOCRUZ e Maria Aparecida Silva, pós doutoranda do Programa de Estudios Posdoctorales PEP da Universidad Nacional de Tres de Febrero- UNTREF Buenos Aires- Argentina. Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestra em Sociologia e Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP.
PERÍODO PARA SUBMISSÃO DOS TEXTOS: 16 de abril de 2021 a 30 de julho de 2021.
DATA DE PUBLICAÇÃO DO DOSSIÊ: 30 de setembro de 2021.
Escrever sobre si, escrever sobre nós, escrever como ato político transforma(dor) das nossas existências lésbicas, lesbianas, sapatonas, bolacheiras, caminhoneiras, invertidas, entendidas, tortilleras, bofes, bofinhos, ladys, loquitas, jotitas, marimachas, pajuelonas, lambisconas, culeras, fanchonas, do babado, góbis, raris, chupa charque, girinas, sapatilhas, boots, dykes, roçonas, tratoristas, safistas, maria-macho, avessadas, cola velcro, machorras e tantas mais que sobrevivem nas margens, nas franjas, do Sul Global.
Quando Anzaldúa (2000: 229) Chicana, tejana, de classe operária, poeta dyke-feminista escreveu que “devemos priorizar nossa própria escrita e a das mulheres do terceiro mundo”, fez coro com diferentes teóricas do feminismo lésbico contemporâneo que discutem a importância da promoção da visibilidade lésbica, em especial de lésbicas com vidas precárias (BUTLER, 2004). Tais autoras apontam para a necessidade de investimento em uma produção teórica sobre lesbianidade e as existências sapatonas, a partir das próprias experiências lésbicas, seja como expressão e possibilidade de visibilidade e militância feminista, ou ainda, como resistência e produção de conhecimento sobre si.
Audre Lorde (1984) feminista, lésbica e negra, em suas produções, também assentiu que é preciso romper com o silêncio e apostar no poder da linguagem, ou ainda transformar o silêncio em linguagem e em ação, compartilhando e difundindo palavras através de um processo de vida criativo, que consideramos capaz de produzir enfrentamento e visibilidade às vidas precárias. Dorotea Antonia Gómez Grijalva (2012), outra importante feminista, lésbica e Maya k’ichee’ segue a mesma perspectiva sobre o poder da escrita e identifica o corpo como um território político e instrumento histórico de descolonização patriarcal, que é dotado de memória e conhecimento. Ao se apropriar da experiência desse corpo, a transforma em escrita de si e em possibilidade de visibilidade e resistência lésbica.
Apoiadas no pensamento das feministas lésbicas, consideramos que a escrita-resistência se torna estratégia essencial. Principalmente, quando nos remetemos ao contexto social e político, no Brasil e em grande parte da América Latina, nos quais a cultura autoritária, o ultraconservadorismo e o fundamentalismo religioso crescentes e presentes, inclusive no interior das instituições estatais, vêm legitimando e garantindo a (re)produção social de discursos heterossexistas, misóginos, racistas e classistas. Estes, por sua vez, se materializam nas violências cotidianas contra corpos e subjetividades dissidentes das normatizações impostas.
Tal cenário revela a necessidade de não nos silenciarmos e de prosseguirmos contribuindo com a construção de um pensamento crítico e emancipatório sobre essas questões, visibilizando a força da existência lésbica, entendida aqui como um posicionamento político, mais do que somente uma identidade ou uma orientação sexual. E, ainda, como possibilidade de rasura do sistema heteronormativo e da heterossexualidade compulsória.
É a partir desse entendimento e da intenção de privilegiar as publicações de lésbicas para lésbicas e sobre lésbicas, que o Dossiê Epistemologias e Ativismos Lésbicos no Sul Global, aqui proposto, abre chamada para artigos, resenhas, relatos de experiências, poesias e outras formas de expressão para compor o número especial da Revista Sul – Sul. Buscamos, assim, contribuir com a visibilidade lésbica no espaço acadêmico e trabalhar na perspectiva de uma escrita acadêmica política, social e revolucionária.
Compreendemos também que a lesbianidade contesta a heterossexualidade, por isso, há a tentativa da sociedade heteronormativa em silenciar nossas narrativas. É fundamental que discussões sobre desigualdades, violências, racismos e sexualidades possam ser cada vez mais visibilizadas, de modo interseccional, principalmente no contexto Sul Global, em que modelos de sociedades patriarcais, como a brasileira, apresentam números altíssimos de feminicídio, lesbocídio e tantas outras formas físicas e simbólicas de violências. Este debate, permite compreendermos que a existência lésbica passa pela busca do reconhecimento de direitos políticos, sociais, sexuais, raciais, regionais, religiosos etc.
Nesse sentido, a importância em refletir sobre epistemologia e ativismos lésbicos, na perspectiva do Sul Global, é necessária e abre um leque de possibilidades às análises interdisciplinares. Pretendemos estabelecer um diálogo que perpassa a produção intelectual dos diversos campos de estudos abrangendo escritos, experiências e resistências lésbicas que, por tantas vezes, são e foram silenciadas dentro de uma sociedade hierárquica, permeada de concepções, tradições e práticas lesbofóbicas, misóginas, racistas, elitistas, excludentes, enfim, discriminatórias. A finalidade dessa chamada é propiciar uma aproximação entre narrativas de enfrentamentos, fortalecimentos, resistências e visibilidades lésbicas.
O intuito é contemplar e ampliar as produções intelectuais lésbicas provenientes do Sul Global, que vem orientando o desenvolvimento das diversas áreas do saber e do fazer acadêmico, político e social no sentido da descolonização dos conhecimentos, das epistemologias, cosmogonias e dos saberes. A proposta permite ainda que possamos articular abordagens no campo investigativo, demarcando reflexões fundamentais para compreender as diferenças sexuais, raciais e de gênero que permeiam as vidas lésbicas. Pretende-se que a discussão tenha como objetivo os questionamentos dos padrões heteropatriarcais e heteronormativos através de uma produção de conhecimento emancipatória, de forma a visibilizar os estudos e produções de e sobre lesbianidades no Sul Global.
Referências citadas:
ANZALDÚA, Gloria E. "Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo". Revistas Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229-236, 1. sem. 2000.
BUTLER, Judith. 2019. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Lieber, Andreas. Belo Horizonte: Autêntica.
GRIJALVA, Dorotea Gómez. Meu corpo é um territorio político. Dinamarca: Dansk bogfortegnelse/Zazie Edições, 2020.
LORDE, Audre. Irmã outsider. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.